sábado, 25 de setembro de 2010

Pessoinhas

Quando pequena, pensava que as luzes que via lá longe, do outro lado do morro, eram pessoinhas que haviam aprendido a brilhar. Pra falar a verdade, até hoje não penso que são apenas umas gotinhas de eletricidade, que tentam iluminar o céu das casas e das ruas, fingindo ter alguma semelhança com a lua que acende o mundo inteiro, lá de cima. São pessoinhas sim! É pessoinha tão forte, tão forte e tão forte, que deixa claro o dia inteiro, pra gente poder trabalhar e estudar tranquilos. E quando, silenciosamente, o dia é pintado todo de preto, as pessoinhas se dividem. Cada pessoinha vai pra um canto, e fica lá, sem se movimentar, só iluminando as ruas e vielas, e o quarto do menininho que morre de medo do escuro. Fica uma pessoinha lá, pronta para iluminar o céu, que muita gente, ao derramar lágrimas escuras, não pôde enxergar.

E ai eu percebia que as pessoinhas ficavam se apagando e acendendo toda hora. Em questão de segundos. Não sabia bem o porquê, e nem sabia a quem perguntar. Pensei em mandar uma carta, jogar pro alto e ver no que dá. Mas talvez elas tivessem as patinhas quebradas, assim como o passarinho que uma vez, eu tentei forçar pra que voasse. Caiu no chão na mesma hora e nem soube o que cantar. Simplesmente, não cantou. Pensei em gritar, mas sempre me diziam que meus gritos nunca me fariam chegar a lugar algum. Não soube o que fazer. Nunca soube. E não pense que inventarei um final sem interrogações pra essa história, porque não inventarei. E, mesmo se houvesse entendido o porquê delas ficarem piscando, não desvendaria o mistério assim, como se fosse mágico iniciante, empolgado com uma nova mágica aprendida.
Sei que não é explicável a sensação, de quando a noite chega e eu olho lá longe, aquelas pessoinhas. Fico boba. Balançando a mão em movimentos rápidos de uns 180º. Indo e voltando. Falto abraçar todas as pessoinhas, e encaixá-las lá no céu, que é o lugar delas.
E quando as via, piscando feito pessoinhas alegres e brincalhonas, eu pensava: Minha nossa! Será que um dia, eu vou estar lá, junto com elas? Será que um dia, vão me olhar brilhando assim e sorrindo tanto?
Ainda há o mistério de todas aquelas pessoinhas. Alguns dizem que aquelas luzes que vemos de longe, são simplesmente as luzes das casas, dos carros e dos postes. Mentem assim, no maior cinismo.
Mas, mal sabia eu, que lá longe, as pessoinhas também olhavam pra mim, como o mesmo olhar com o que eu as olhava. Com a mesma admiração e com as mesmas perguntas. Sentiam-se bem quando me viam e, me viam piscando o tempo inteiro. E lá longe, as pessoinhas me viam como pessoinha. E eu aqui, as via como pessoinhas.
Fico sonhando com o dia em que nós, serenamente, olharemos para o nosso baú de sonhos e enxergaremos, lá no fundo, uma multidão de pessoinhas alegres, sonhadoras, esperançosas, fortes, honestas e de bom coração, que guardamos dentro de nós. Será que um dia, as pessoas perceberão que são pessoinhas? Que são o céu que contemplam e todas as coisas que lá existe? É tão bonito, um bando de pessoinhas juntas. Sei lá... Fica uma alegria sincronizada, apesar da bagunça.